Arena Live | Carlão

23 Novembro 2015 M18

“Melómanos mais impressionáveis desviem os ouvidos deste disco porque foi escrito com as tripas de fora. Não é que a verdade não tenha estado sempre na lírica do Carlão, mas parece tornar-se mais urgente agora que há um novo desafio pela frente: processar esta coisa de fazer quarenta anos, um verdadeiro nó na cabeça de uma geração que não sabe quando raio vai deixar de ser "jovem adulta" mas certamente não quer que esse dia chegue nunca. Se há coisa que o Carlão sabe é que nada sabe - "eu olho-me ao espelho e continuo a ver o mesmo puto de sempre", diz logo ao início - e esta falta de certezas, vai-se a ver, é o mais sábio ponto de partida para um disco que perpassa não tanto a ternura como as tremuras dos 40. Amor, desejo, melancolia, perdição, indignação e outras comichões que achávamos que não íamos ter de coçar quando fossemos crescidos - tudo está nesta autobiografia ergonómica. Pessoal, sim, mas que serve a todos.

A nossa geração de eternos miúdos talvez não se aperceba de que reside aqui o paradoxo do complexo de Peter Pan: ao arrastarmos "o mesmo puto de sempre" pela vida fora, nunca nos deixaremos engolir pela arrogância da idade enquanto posto e isso parece bastante mais próximo de uma ideia de maturidade do que, por exemplo, andar de gravata a dizer que já se fez tudo na vida. (Pensando bem, não é só que não queiramos crescer. É também que não nos deixam. Nos dias que correm, mesmo que quiséssemos muito andar de gravata, provavelmente teríamos de pedir dinheiro aos pais para a comprar).

Quarenta é o buraco da fechadura por onde espreitamos tanto um grande amor como uma conspiração para a revolução. E que ninguém se sinta constrangido porque se trata de um voyeurismo confortável. Este Carlão mostra-se sem se escancarar, no ponto de contenção dos próprios beats, contagiantes mas pouco óbvios, mesmo quando o Branko arrisca o flirt descarado com a sobreexposta kizomba e a torna sua, deles, nossa. Se houver por aí quem resista, por favor, que pegue nos 40 anos do Carlão e os enfie pelo buraco do tédio acima. Ele não precisa desse número para nada porque é o mesmo puto de sempre.”

(Ana Markl)

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