Há artistas que, por muito que tenham alcançado, não conseguem deixar de tentar chegar mais longe. Sempre. Samuel Mira a.k.a. Sam the Kid, Dj Cruzfader, Francisco Rebelo, João Gomes e Fred , músicos que já haviam deixado a sua marca na mais ambiciosa música
portuguesa quando resolveram formar os Orelha Negra, são um dos mais incontestáveis exemplos.
Se no seu álbum de estreia nos ofereceram uma visão completamente nova e singular da mais moderna música urbana pós-Hip Hop, assente numa inesperada dialética entre o sampling via MPC, o gira-disquismo e a orgânica live dos seus intérpretes de exepção, e na exploração da canção que se liberta da sua escrita tradicional (mas que se quer manter canção), produzindo uma das mais históricas obras da nova cena nacional, com largo alcance além-fronteiras, isso não os conformou.
Transportaram a experiência para os palcos com um impacto notável. Deixaram que esse exercício passasse a ter o peso certo no seu processo criativo, levando-os por caminhos que nem eles teriam antevisto. E atreveram-se a estrear em palco a espinha dorsal do seu segundo – ultra amadurecido – longa-duração, antes mesmo de o finalizarem e embalarem
para a posteridade, tendo repetido a dose com o trabalho que agora chega às lojas e plataformas digitais.
Nos treze temas que compõem o seu terceiro disco de originais, os Orelha Negra não se afastam um milímetro da sua proposta inicial de redefinirem a música de raiz Hip Hop, tal com deve ser entendida num novo milénio, mas a canção liberta-se, como nunca, das suas amarras. Sobressai aqui um espírito excursionista, que vai muito para além das questões formais. Uma espécie de viagem espiritual, carregada de psicadelismo e de libertação cósmica, apresentada, mais uma vez, de forma completamente surpreendente, até porque tanto somos remetidos para a genealogia da Soul – com um enfâse particular no Boogie – como nos vemos a navegar pelo melhor prog-kraut-rock ou pelas memórias contemplativas de narrativas pop baleares.
Quando pensamos que somos capazes de “adivinhar” o que vinha aí, ficamos, outra vez, agarrados às nossas aparelhagens, em repeat, a pensar – “estava à espera de tudo menos disto!". Não será essa sensação o melhor que a música tem, para quem realmente a
ama?
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